terça-feira, 17 de setembro de 2013

Próxima Onda


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"É que ando dentro da vida
Sem vida dentro de mim"
                                        (Manoel Bandeira)
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Piso na areia macia e deixo os resquícios da última onda molhar as pontas de meus dedos. A água esta mais gelada do que imaginei. Não há mais ninguém nessa praia além de mim, da lua e do mar.
Olho alguns segundos para o horizonte e percebo nessa fração de segundo que tenho mais arrependimentos do que gostaria de admitir e posso sentir que todos eles estão tentando me invadir de uma vez só.
Dou mais alguns passos na direção da água. Preciso de tempo. Tempo pra pensar, pra aceitar, refazer, ah... Tempo pra tudo, pra mim.
O fim de mais uma onda acariciou minha pele dessa vez molhando até perto dos meus joelhos. Seria muito fácil deixar a água me levar. Lavar meus pensamentos e minhas angústias. Lavar minha alma.
Alma. Esse é um termo que há algum tempo já me incomoda. Pode ser descrito como essência ou consciência, é o que tem mantém vivo dentro dessa casca barata e frágil chamada corpo. O que quer dizer então que somos apenas hospedeiros? Uma vida entregue ao sofrimento da vida. Confuso. Demais até.
O fato é que se a Alma é vida é preciso deixar o corpo pra se libertar.
Mais alguns passos.
É estranha a reação que o som das ondas tem em meu corpo. Posso sentir o sal ricocheteando na pele. Feridas antigas ainda não cicatrizadas ardem com o contato, mas ao mesmo tempo sinto como se isso fosse fazê-las se fechar.
Curar dor com dor. Funciona? Às vezes sim, às vezes não, continua dependendo do que esta na sua cabeça. A cura sempre vai depender da sua decisão de qual dor sentir.
Agora já posso tocar a superfície da água com as mãos. Faço um vai e vem lento e contínuo afastando e depois trazendo o mar para mim. Fico imaginando cada rosto conhecido e estranho (talvez por falta de oportunidade) que se lembrará do meu nome. Infelizmente são menos numerosos do que eu gostaria que fossem.
Tudo bem, depois de tudo, a minha memória vai ficar e quando tudo mudar, por favor, não me leve a mal.
Prendo a respiração e a maior de todas as ondas até agora passa sobre a minha cabeça. É o mundo, tentando me esmagar. Me levanto resfolegando, o ar se torna muito mais leve e necessário depois de alguns segundos sem ele.
Outra onda.
Cabelos molhados grudando na pele, roupas pesadas e gosto de sal na boca. Não sei nadar, mas é apenas um item a mais na lista de coisas que eu – eu de verdade – irei aprender a fazer.
Terceira.
Lá se vai a máscara que usei por tanto tempo, sumindo na imensidão azul. Nada mais de expressões falsas.
Quarta.
Já nem consigo mais sentir o medo. Aprendi nesses poucos segundos a pensar rápido e executar, sem deslizes, sem espera, porque a indecisão pode te matar e morrer é um arrependimento que ainda não estou pronta pra carregar.
Quinta.
Prioridades. Quando tudo passa diante dos seus olhos você aprende a enxergar o que realmente precisa e nem sempre – quase nunca – precisamos do que queremos.
Sexta.
Erguer a cabeça pronta pra encarar o próximo desafio. Não importa o quão grande seja a onda nem se vai haver uma sequência delas, o que importa é segurar o fôlego e aguentar o máximo possível, não vai durar pra sempre.
A última, eu acho.
É incrível como um pouco de sal nos pulmões e provavelmente em todos os órgãos te desperta.
Lavei corpo, lavei alma, lavei tudo.
Deito de costas na areia, segura, salva, talvez ainda não tão sã, mas estou no caminho.
Deixei o mar me afogar e morri, ou pelo menos, o eu que não era eu. O eu que o mundo criou se foi.
Agora vou reiniciar, reinventar, recriar. RE...
Ah, só acho que todos deveriam fazer o mesmo, sabe?

Afogue a parte que o mundo criou em você e sempre que sentir que ela tenta voltar entre no mar e deixe vir a próxima onda.

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