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"É que ando dentro da vida
Sem vida dentro de mim"
(Manoel Bandeira)
...
Piso na areia macia e deixo os resquícios
da última onda molhar as pontas de meus dedos. A água esta mais gelada do que
imaginei. Não há mais ninguém nessa praia além de mim, da lua e do mar.
Olho alguns segundos para o
horizonte e percebo nessa fração de segundo que tenho mais arrependimentos do
que gostaria de admitir e posso sentir que todos eles estão tentando me invadir
de uma vez só.
Dou mais alguns passos na
direção da água. Preciso de tempo. Tempo pra pensar, pra aceitar, refazer,
ah... Tempo pra tudo, pra mim.
O fim de mais uma onda acariciou
minha pele dessa vez molhando até perto dos meus joelhos. Seria muito fácil
deixar a água me levar. Lavar meus pensamentos e minhas angústias. Lavar minha
alma.
Alma. Esse é um termo que há
algum tempo já me incomoda. Pode ser descrito como essência ou consciência, é o
que tem mantém vivo dentro dessa casca barata e frágil chamada corpo. O que
quer dizer então que somos apenas hospedeiros? Uma vida entregue ao sofrimento
da vida. Confuso. Demais até.
O fato é que se a Alma é vida é
preciso deixar o corpo pra se libertar.
Mais alguns passos.
É estranha a reação que o som
das ondas tem em meu corpo. Posso sentir o sal ricocheteando na pele. Feridas
antigas ainda não cicatrizadas ardem com o contato, mas ao mesmo tempo sinto
como se isso fosse fazê-las se fechar.
Curar dor com dor. Funciona? Às vezes
sim, às vezes não, continua dependendo do que esta na sua cabeça. A cura sempre
vai depender da sua decisão de qual dor sentir.
Agora já posso tocar a superfície
da água com as mãos. Faço um vai e vem lento e contínuo afastando e depois
trazendo o mar para mim. Fico imaginando cada rosto conhecido e estranho (talvez
por falta de oportunidade) que se lembrará do meu nome. Infelizmente são menos
numerosos do que eu gostaria que fossem.
Tudo bem, depois de tudo, a
minha memória vai ficar e quando tudo mudar, por favor, não me leve a mal.
Prendo a respiração e a maior de
todas as ondas até agora passa sobre a minha cabeça. É o mundo, tentando me
esmagar. Me levanto resfolegando, o ar se torna muito mais leve e necessário depois
de alguns segundos sem ele.
Outra onda.
Cabelos molhados grudando na
pele, roupas pesadas e gosto de sal na boca. Não sei nadar, mas é apenas um
item a mais na lista de coisas que eu – eu de verdade – irei aprender a fazer.
Terceira.
Lá se vai a máscara que usei por
tanto tempo, sumindo na imensidão azul. Nada mais de expressões falsas.
Quarta.
Já nem consigo mais sentir o
medo. Aprendi nesses poucos segundos a pensar rápido e executar, sem deslizes,
sem espera, porque a indecisão pode te matar e morrer é um arrependimento que
ainda não estou pronta pra carregar.
Quinta.
Prioridades. Quando tudo passa
diante dos seus olhos você aprende a enxergar o que realmente precisa e nem
sempre – quase nunca – precisamos do que queremos.
Sexta.
Erguer a cabeça pronta pra
encarar o próximo desafio. Não importa o quão grande seja a onda nem se vai haver
uma sequência delas, o que importa é segurar o fôlego e aguentar o máximo possível,
não vai durar pra sempre.
A última, eu acho.
É incrível como um pouco de sal
nos pulmões e provavelmente em todos os órgãos te desperta.
Lavei corpo, lavei alma, lavei
tudo.
Deito de costas na areia,
segura, salva, talvez ainda não tão sã, mas estou no caminho.
Deixei o mar me afogar e morri,
ou pelo menos, o eu que não era eu. O eu que o mundo criou se foi.
Agora vou reiniciar, reinventar,
recriar. RE...
Ah, só acho que todos deveriam
fazer o mesmo, sabe?
Afogue a parte que o mundo criou
em você e sempre que sentir que ela tenta voltar entre no mar e deixe vir a
próxima onda.
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